Em recente decisão a Justiça de Minas Gerais condenou um pai a pagar à filha indenização por danos morais no valor de R$50 mil. Atualmente a jovem tem 19 anos, mas nunca conviveu com o pai, que não quis participar de sua criação.
Chama a atenção o fundamento adotado pelo juiz ao reconhecer o dever de indenizar: abandono afetivo por parte do genitor. A dúvida que surge é: no seio familiar, o afeto é um bem jurídico patrimonializável ou é apenas um valor existencial? O tema não é pacífico.
Há entendimento no sentido de que a ofensa a qualquer dos deveres relacionados às relações familiares (incluindo-se o afeto) já seria suficiente para caracterização do ilícito civil, ensejador do dever de reparar.
Por outro lado, há entendimento no sentido de que o afeto é um valor espiritual, dedicado a outro por exclusiva vontade pessoal, não podendo ser juridicamente imposto. Por esta razão, a simples recusa em dar afeto, por si só, não caracteriza uma conduta ilícita para fins de responsabilização civil. Seria necessária a presença de outros elementos objetivos, relacionados aos deveres familiares, conforme previstos no art. 227 e 229 da Constituição, bem como artigo 1.566 do Código Civil, por exemplo.
Nessa última hipótese, não se mostra possível a indenização por mero abandono afetivo, mas, sim, pela violação objetiva ao dever de cuidado (uma das hipóteses de exteriorização do afeto), cabendo à vítima a demonstração dos prejuízos, ainda que psicológicos, diretamente relacionados à negligência do seu genitor.
De fato, não parece ser razoável obrigar alguém a nutrir afeto por outrem. De início, uma imposição dessa natureza ofenderia o princípio da intervenção mínima nas relações familiares, previsto no artigo 226, parág. 7º, da Constituição. Entretanto, se o afeto por si só não pode ser valorado juridicamente, a sua exteriorização sim, especialmente em relação aos deveres relacionados aos genitores (leia-se “dever de cuidado”, que engloba a assistência, saúde, convivência familiar, desenvolvimento da dignidade etc.). A propósito, recomenda-se a leitura de um julgado do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.159.242/SP), que examina o tema com a profundidade que merece.
Escrito por: Dr. Tayrone de França e Melo